“Entre todos os modos de atuação da filantropia brasileira, as práticas de colaboração entre instituições e entre setores é o que mais chama atenção nos últimos anos. Mesmo antes da pandemia, já havia no Brasil ótimas experiências colaborativas, como nas agendas da educação, primeira infância, direitos humanos e clima. A pandemia nos ajudou a perceber a dimensão sistêmica das coisas, a natureza intersetorial das soluções e a necessidade de reunir forças para superar obstáculos que são intransponíveis se estamos sozinhos.”
A reflexão é de Rogério Silva, sócio da Pacto, e se refere a uma das diretrizes mapeadas no documento Horizontes e prioridades para filantropia e investimento social no Brasil.
A publicação é fruto da parceria técnica entre a Pacto e o GIFE para sistematização da jornada do 11º Congresso GIFE. Considerada uma das principais agendas do setor do investimento social privado e da filantropia no Brasil, o evento ganhou um caráter estendido com a necessidade de distanciamento social imposta pela pandemia. Foram nove meses de atividades, finalizadas com um encontro virtual de três dias. Muitos debates, conversas, vivências e trocas.
Todo esse acúmulo de conhecimento permitiu apontar horizontes e prioridades para o setor nos próximos anos a partir do olhar e da reflexão dos diversos atores que participaram da jornada do Congresso sobre alguns dos temas mais relevantes da agenda pública.
Agendas: equidade racial ganha força
Do amplo retrato de temas e prioridades para os próximos anos oferecido pela publicação, com direito a dados e evidências e conteúdos para aprofundamento, destacam-se os desafios da agenda pública e as estratégias e práticas de atuação e gestão do setor.
Entre as diversas agendas mapeadas, aparecem temas tradicionalmente privilegiados pelo setor, como Educação e Infância, ao lado de outros essenciais para o futuro que ganham relevância, como as Mudanças Climáticas, a preservação da Amazônia, o apoio à Ciência e o fortalecimento da Democracia.
“A agenda dos próximos anos tende a ser marcada ainda pelo combate ao racismo”, aponta Rogério, que liderou o trabalho de sistematização junto ao GIFE.
Quanto às prioridades, o especialista as classifica em duas dimensões: respostas à pandemia e agendas estruturantes.
“Na primeira estão incluídos o apoio ao sistema educacional na superação dos prejuízos produzidos no biênio 2020-2021, bem como ações que gerem trabalho e renda para os mais de 15 milhões de desempregados no Brasil, cujas situações de insegurança alimentar e desalento são dramáticas, especialmente para as crianças e os jovens. Na segunda, investimentos em agendas como as que visam fortalecer a democracia, incluindo o trabalho com gestores públicos e o fortalecimento das organizações da sociedade civil. Sem um tecido social atento, engajado e potente, não há futuro viável para o Brasil”, defende.
Estratégias e práticas têm em comum a colaboração
Diversas pesquisas apontam que parte das estratégias e práticas de atuação e gestão do setor mapeadas pelo documento ganhou força frente à pandemia. É o caso da filantropia colaborativa, do grantmaking e da cooperação com a gestão e as políticas públicas.
Para Rogério, é possível relacionar a ampliação dessas diretrizes com o fenômeno da colaboração, bastante evidenciado nas respostas do campo à situação de emergência.
“As práticas colaborativas têm demonstrado que as coalizões, redes e alianças precisam ser observadas mais como movimentos do que como organizações. A real convergência de propósitos, a busca por transformações sistêmicas, a qualidade da relação entre os atores e a governança dinâmica demonstram ser boas alavancas de transformação”, afirma.
Recomendações para organizações regenerativas
Do ponto de vista do desenvolvimento organizacional, o especialista aponta algumas recomendações às instituições do investimento social privado e da filantropia a partir da atuação da Pacto:
– Ler cuidadosamente o contexto e seus atores, para definir como agir;
– Buscar evidências teóricas e empíricas para embasar as ações, de modo a não desperdiçar recursos e capital político;
– Elevar a atenção para os processos de implementação, com avaliação de ciclo curto;
– Elevar a qualidade conversacional nas organizações, incluindo práticas de feedback para o desenvolvimento das equipes.
“Temos trabalhado com muitos dirigentes e equipes e escutado suas necessidades, desejos e dilemas. Estamos em um momento delicado da história, no qual as organizações estão bastante pressionadas pela realidade. No plano estratégico, as tarefas são difíceis. Nas dinâmicas organizacionais, é grande o embate entre os modelos hierárquicos (tradicionais) e os de autogestão. Soma-se a isso o contexto da pandemia, com dimensões subjetivas e econômicas exigentes. Sabemos o quanto os dias atuais requerem resiliência”, observa.