Considerando os impactos da pandemia sobre a sociedade brasileira, que escancarou e aprofundou desigualdades, a questão racial como categoria analítica na prática de monitoramento e avaliação e em processos de tomada de decisão tem ganhado maior evidência.
De acordo com a nota técnica Avaliação e Equidade, da Agenda de Avaliação do GIFE, novas abordagens têm surgido a partir da premissa de que os processos avaliativos sejam conduzidos com e para a promoção da equidade, dentre elas, a Avaliação Culturalmente Responsiva, a Avaliação Feminista, a Avaliação Indígena, além das abordagens que valorizam o conhecimento e a importância dos diferentes grupos no processo avaliativo, como a Avaliação de Empoderamento e as Avaliações Participativas.
Para Lívia Guimarães, pesquisadora da Pacto, para que um processo de monitoramento e avaliação contemple a agenda de equidade racial, é fundamental que a organização que o promove ou lidera comunique ao cliente, parceiro e/ou demais stakeholders envolvidos que a questão racial será incorporada como categoria analítica.
“Considero impensável que as organizações permaneçam realizando fluxos avaliativos sem considerar a raça, já que esse é um dos principais marcadores de promoção da desigualdade socioeconômica brasileira. Para qualquer avaliação a ser feita, a lente racial desloca todo o contexto”, observa.
Doutoranda e mestra em Ciências Humanas e Sociais e pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Controle Social, Memórias e Resistências, da Universidade Federal do ABC (UFABC), Lívia é membro da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN) e atua há mais de 17 anos com a gestão de projetos do terceiro setor e do campo do investimento social privado. Como ativista dos feminismos negro e decolonial, ela também desenvolve pesquisas interseccionais no âmbito dos estudos de gênero.
A pesquisadora conta que sua chegada à Pacto foi fruto do desejo da organização de desenvolver estratégias para a promoção da equidade racial, internamente e também como parte de sua atuação junto a clientes e parceiros.
A primeira experiência dessa relação, em 2020, resultou no artigo Tendências em avaliação: artigos científicos em avaliação, desenvolvido em parceria com Rogério Silva e Patrícia Iacabo, sócios da Pacto. O ensaio analisa 148 artigos publicados nas principais revistas científicas internacionais e nacionais dedicadas ao tema do monitoramento e avaliação.
Este ano, ao lado de Beatriz Mendes Chaves, sócia e coordenadora executiva da Pacto, a pesquisadora esteve à frente da condução de oficina sobre equidade racial realizada durante o 11º Congresso Gife, além de outras duas atividades. E desde maio, integra o time da Pacto à frente da jornada de avaliação e planejamento junto ao Instituto Ibirapitanga.
Desafios
Lívia destaca três desafios para integrar a questão de raça como categoria analítica em processos de monitoramento e avaliação, seja de forma transversal ou como foco prioritário.
O primeiro diz respeito à própria incorporação da raça como um elemento essencial de análise da realidade. Para a pesquisadora, as organizações e as pessoas que atuam no ecossistema da avaliação devem reconhecer esse aspecto e desenvolver abordagens avaliativas que dialoguem mais com a realidade brasileira.
“Significa promover abordagens que ‘descolonizem’ os processos de monitoramento e avaliação, uma vez que todo o referencial teórico e técnico do sistema de avaliação no Brasil está, basicamente, alicerçado em um modelo branco estadunidense e/ou europeu tomado como universal e aplicado a qualquer realidade. Já sabemos que não é bem assim e que outras cores – leia-se pensamentos, teorias, técnicas e saberes – precisam ser incorporadas a esse ecossistema”, avalia.
O segundo obstáculo é a inserção de pessoas negras no ecossistema do monitoramento e avaliação, que há tempos vem sendo ocupado por pessoas majoritariamente brancas, como alerta a pesquisadora.
“Considero fundante que as organizações criem estratégias de combate ao racismo e comecem a ativar práticas internas de antirracismo, a exemplo da contratação de pessoas negras em seus quadros.”
Por fim, Lívia chama atenção para a necessidade de fomento a espaços participativos onde haja diálogo franco entre todos os envolvidos no processo avaliativo, desde o contratante até os grupos que recebem as intervenções (públicas ou privadas), com especial atenção aos negros.
“Espaços onde todos, sobretudo a população mais impactada pelas políticas, programas e/ou projetos, possam ser ouvidos de forma atenta, nos diferentes momentos da trilha avaliativa. E que a formulação dessa trilha seja colaborativa, pois, somente assim considero ser possível encontrar soluções para desafios complexos”.
Equidade racial na Pacto
À frente da construção da política de equidade racial da Pacto – por ora chamada de Diretrizes para a Equidade Racial -, ao lado de Beatriz, a pesquisadora analisa o papel da prática de monitoramento e avaliação nesse processo, destacando inspirações que podem servir a outras organizações, sejam elas empresas ou organizações da sociedade civil.
“É um caminho que está sendo construído, pedrinha a pedrinha, e vem se desdobrando em um conjunto de propostas elaboradas por toda a equipe, que já começaram a ser implementadas. Dentre elas está a chegada de mais pessoas negras, sócias inclusive, para integrar a equipe da Pacto. É inegável que esse é um passo fundamental para o começo de qualquer organização que se proponha a atuar contra o racismo brasileiro, mas, não podemos deixar de lado a retenção desses profissionais.”
De modo mais amplo, a intenção é tornar a raça uma categoria analítica que perpasse todos os processos guiados pela Pacto, conta a pesquisadora.
“Considero o uso da lente racial em todos os processos guiados; a criação de estratégias de letramento racial, dentro e fora da organização; e a contratação e criação de mecanismos de retenção de profissionais negros/as três diretrizes fundamentais que, a meu ver, ultrapassam os contornos organizacionais ao movimentar todo o ecossistema da Pacto. Atitudes e práticas potencializam a luta em prol da equidade racial.”